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segunda-feira, 12 de maio de 2008

A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM FACE DO DECISIONISMO E DA MOROSIDADE PROCESSUAL: UMA INVESTIGAÇÃO À LUZ DA DO

RESUMO
A presença constante do decisionismo e da exaustiva lentidão observada historicamente
na entrega da prestação jurisdicional nos tribunais pátrios têm lançado um sombrio
manto de desencanto e crescente descrença sobre o Estado Democrático, tornando-o
completamente inóspito e ineficaz, sacrificando o cidadão em seus direitos mais plenos,
genuínos e fundamentais. A dimensão dos danos daí resultantes pode ser imensurável,
tendo seu mais vil reflexo na miséria humana (numa conotação ética, espiritual,
material, cultural e social), característica emblemática da sociedade moderna. Habermas
propõe uma reconstrução desse cenário por meio da “teoria discursiva e do agir
comunicativo”, ponto nodal do presente trabalho. O coração destas doutrinas reside na
imprescindível fundamentação das decisões judiciais, formatada a partir de
embasamentos sólidos emanados de uma rica dialética processual que garanta
efetivamente a participação de todos os atores da relação fática na busca irresignada do
melhor argumento.
Por isso, a determinante aplicação de tais teorias no meio forense poderá conferir maior
solidez e segurança jurídica aos decisuns, permitindo uma melhor otimização dos atos
processuais e maior garantia dos direitos fundamentais, especialmente do real acesso à
justiça e da igualdade material. Via reflexa, pode ocorrer até mesmo uma significativa
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redução da vertiginosa quantidade de recursos atualmente propostos, que protelam
gritantemente a entrega da prestação jurisdicional acentuando ainda mais o dramático
problema da morosidade. Estes recursos inclusive, vale dizer, são fundamentados, na
maioria das vezes, na fragilidade e tirania dos atuais julgados que geralmente ignoram a
perspectiva discursiva e o império da linguagem. Assim, portanto, vale indagar: Qual é
a possível dimensão dos danos sofridos pelos cidadãos no exercício de seus direitos
fundamentais em decorrência do decisionismo freqüente nos tribunais brasileiros e da
morosidade processual? Que contribuição a doutrina de Jürgen Habermas pode oferecer
para compor essa equação?

PALAVRAS CHAVES
DIREITOS FUNDAMENTAIS; DECISIONISMO; MOROSIDADE PROCESSUAL;
TEORIA DISCURSIVA.
ABSTRACT
The Constant presence of taking decisions and the exausted delay watched historically
in the legal service rendering at the country court has thrown a dark cloak of
disenchantment and a growing disbelief concerning to the Democratic State, making it
completely inhospitable and inefficient, letting the citizen sacrificed on his most
genuine, fundamental and whole right. The dimension of the resulting loss can be un
measurable by having its vilest reflect in the human misery(in an ethica), spiritual,
material, cultural and social canotation), an emblematical characteristic of the modern
society. Habermas proposes a rebuilding of this scene, though the “discursive theory
and the communicative acting”, the main point of this work. The heart of these
doctrines resides in the indispensable fundament of the judicial decisions, formatted on
solid bases, coming from a rich processual dialect that guarantees effectively the
participation of all the authors of the factual relation in the irresigned search or the best
argument.
So, the determined application of these theories in the court field could give a bigger
strength and legal security to the decisuns, by letting a better opmization of the
processual acts and a bigger guarantee of the fundamental rights, specially the real acess
to the justice and the material equality. In a reflected via, there can be even a significant
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reduction of the vertiginous quantity of he resources proposed nowadays, that delay
glaringly the delivery of the court service by emphasizing even more the dramatic delay
problem. Such resources, it is even worth to say are structured most of the time, in the
fragility and tyranny of the current judged people who usually ignore the discursive
perspective and the language empire. Hawerer, it is worth to ask: what is the possible
dimension of the losses suffered by the citizens when exercising their fundamental
rights by facing the frequent decisionism at the Brazilian courts and the process delay?
What contribution can the doctrine of Jürgen Habermas offer to comprise this equation?
KEYWORDS
FUNDAMENTAL RIGHTS; DECISIONISM; PROCESS DELAY; DISCURSIVE
THEORY.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 renovou a fé de cada brasileiro num “Estado
Democrático destinado a assegurar-lhe o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”
(Preâmbulo) (grifo nosso)
Sem a real cristalização do consagrado direito constitucional de acesso à
justiça no sentido mais pleno e elevado dessa expressão que pressupõe inclusive a
fundamentação das decisões judiciais (Art. 93, IX da CF) e a celeridade processual
(art. 5º, XXVIII da CF), inexiste Democracia, Estado Democrático ou mesmo,
jurisdição. (SOARES, 2004, p. 221)
Não basta assim, simplesmente inserir-se no diploma constitucional a
romântica previsão de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito” (Art. 5º, XXXV da CF).
O fato dos cidadãos poderem ser contemplados pelo Poder Judiciário nem
sempre significa conferir-lhes “acesso à justiça”, eis que muitas vezes as respostas que
recebem não passam de veredictos tardios e totalmente infundados, um mero
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decisionismo que agride frontalmente os princípios da igualdade de oportunidade e da
dignidade social (CANOTILHO, 2003, p.350). Essa igualdade, vale dizer, precisa ser
invocada a qualquer preço e merece ser respeitada independentemente de idade, sexo,
cor, credo ou mesmo classe social, conforme expressa bravamente o personagem Zé
Bebelo na obra “Grande Sertão: Veredas” o qual, mesmo se encontrando “a pé, rasgado
e sujo, sem chapéu nenhum, com as mãos amarradas atrás, e, seguro por dois homens”,
não perdeu a dignidade e protestou: “- Dê respeito, chefe. O senhor está diante de mim,
o grande cavaleiro, mas eu sou seu igual. Dê respeito!” (GUIMARÃES ROSA, 1988,
p. 221, grifo nosso)
Muitos são os dramas e profundos os prejuízos que a ausência de igualdade no
acesso à justiça podem provocar na vida dos cidadãos e de suas respectivas famílias,
atingindo-lhes muitas vezes de forma totalmente irreparável em seus mais supremos e
fundamentais direitos (BOBBIO, 1992, p.204)
A solução ou mitigação desses danos invoca a aplicação das “teorias do
discurso e do agir comunicativo” habermasianas, fundadas numa rica dialética
processual, na efetiva participação de todos os atores da relação fática na busca
irresignada do melhor argumento.
Esclareça-se por oportuno, observando-se lição de Galuppo (2003, p.124), que
nosso interesse pessoal por este tema é produto de nove(9) anos de trabalho como
servidora no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, lotada no Fórum de Governador
Valadares/MG enquanto Escrevente e posteriormente Escrivã (1987 a 1996), associados
a outros 11 anos de militância como advogada e concomitante docência em graduações
e pós-graduações em Direito. Nesse entusiástico e árduo exercício, nos deparamos de
forma rotineira e inquietante com as mais teratológicas situações de violação dos
direitos fundamentais, resultantes dos fenômenos constantes da problematização ora
apresentada.
O objetivo deste trabalho é compreender, sob uma ótica habermasiana, a real
dimensão dos danos gerados aos cidadãos no estado Democrático de Direito produzidos
pelo decisionismo e pela morosidade processual.
Seu marco teórico é a doutrina de Jürgen Habermas, com a invocação, nesse
caso, das teorias já mencionadas.
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No tocante à metodologia, foram adotadas fontes primária e secundária
estudando-se principalmente documentos, legislação, doutrina e jurisprudências,
promovendo-se também o estudo de casos.
Trata-se de um trabalho de natureza exploratória que se situa na esfera do
Direito Constitucional, centrando-se de forma mais pontual nos conceitos de Cidadania,
Democracia, o Acesso à Justiça e a Dignidade da Pessoa Humana.
1 O ACESSO À JUSTIÇA COMO SINÔNIMO DE DEMOCRACIA
Um simples olhar rumo às antigas civilizações revela, de forma inconteste, que
historicamente as pessoas sempre reagiram de maneira voraz na defesa de seus direitos
naturais.
No entanto, por diversos meios e de forma implacável, o tempo tem minado
progressivamente esse sonho de JUSTIÇA, relegando o cidadão a um plano de
desencanto e total embaraço. Se muitos são os motivos que provocam esse cenário,
entre estes certamente um se destaca: A violação dos direitos fundamentais gerada
pelos fenômenos do decisionismo e da morosidade processual, que ferem com golpe de
morte a medula do Estado Democrático.
Eis então uma matéria que está a merecer a necessária investigação, pois, não
pode jamais a humanidade sepultar seu tão sublime sonho de JUSTIÇA, que se afigura
a cada dia mais fragilizado, mais combalido.
Preservar os legados conferidos à humanidade no passado por Antígona, Hugo
Grócio e outros grandes nomes da história no tocante aos direitos fundamentais,
constitui seguramente a principal âncora da democracia.
Nesse sentido, o entendimento de Piovesan tem muito a acrescentar:
Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito
Brasileiro, destacam-se a cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º,
incisos II e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático
de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos
fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio
democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora.
Como afirma Jorge Miranda: “A constituição confere uma unidade de
sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos
fundamentais”. E ela repousa na dignidade de pessoa humana, ou seja, na
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concepção que faz a pessoa, fundamento e fim da sociedade e do Estado.
(José Afonso da Silva, p. 93) (PIOVESAN, 2006, p. 26-27, grifo nosso).
Habermas, em sua doutrina acerca do Direito e da Democracia, esclarece que
pelo princípio do discurso, é possível examinar os meios suficientes para introduzir
“in abstracto as categorias de direito que geram o próprio código jurídico”.
(HABERMAS, 2003, p. 159)
Merece também o necessário enfoque, “A teoria geral da cidadania” do
saudoso Baracho, segundo o qual, no Estado Democrático só se promove o Direito por
meio dos princípios da igualdade, da solidariedade e da comunicação/diálogo entre os
usuários e os agentes da Justiça, verbis:
Dando curso a essa argumentação, Baracho afirma que no Estado
Democrático de Direito exige-se grande esforço do juiz para o exercício
da função promocional do Direito, através da construção de uma
jurisprudência que consagre os valores constitucionais da igualdade e da
solidariedade, realizando-se os avanços normativos necessários à sociedade;
da participação, com influência sobre o Poder Legislativo, através do
controle de constitucionalidade das leis; da plena subordinação da
Administração Pública à lei; da transparência do Estado democrático; da
decidida intervenção em perseguir a criminalidade organizada; do fim dos
poderes privados ocultos.
A democratização do Poder Judiciário, segundo o autor, deve ainda ser
completada pela maior participação dos cidadãos na administração da
Justiça; pela instauração de juízes eleitos; pela valorização dos juízos dos
jurados; pelo propiciamento do direito de crítica à cidadania, mediante a
publicidade das decisões judiciais.
Baracho afirma que
“a plenitude da cidadania depende da adequada organização judicial, que
se concretiza por meio do exame dos seus trabalhos, através da
redefinição da funções das secretarias judiciais, das tarefas dos
magistrados, da cooperação com os advogados, da celebração de
audiências, da gestão da jurisdição, da política judicial, da metodologia
para implementação de sistemas que facilitem a comunicação entre os
usuários e intervenientes da justiça”. (BARACHO apud BARACHO
JÚNIOR, 2000, p.158, grifo nosso)
Dallari (2006, p. 66), em artigo intitulado “Supremo comprometido com a
Justiça”, noticia que a Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, mais recente integrante
do Supremo Tribunal Federal, então Professora da Universidade Católica de Minas
Gerais, em seu discurso de posse, declarou que está “atenta ao compromisso ético e
jurídico de acabar com a exclusão de grande parte da população e que terá como
objetivo tornar efetivos os direitos garantidos pela Constituição”. (grifo nosso)
5815
Esse juramento renova a esperança em uma jurisdição mais coesa com a
proposta Constitucional, em especial no tocante ao decisionismo e à desafiadora questão
da morosidade processual, fenômenos que tanto têm estrangulado os direitos
fundamentais e acentuado as desigualdades sociais(SOUZA CRUZ, 2003).
Primando pela efetiva preservação da cidadania, novamente Baracho traz à
baila a seguinte lição de Andrade, protestando contra o decisionismo e invocando
novamente o princípio da subsidiariedade como garantidor do cidadão contra a
arbitrariedade presente em decisões judiciais vazias de fundamentação:
O princípio de subsidiariedade é uma garantia contra a arbitrariedade,
procura inclusive suprimi-la. É necessário que toda autoridade investida
de funções deva justificar seus atos no exercício de suas funções. A
autoridade, no exercício de suas funções, judiciária ou não deve apontar os
princípios que justificam suas decisões. Os princípios jurídicos são
invocados pelos tribunais, quando esses não descobrem lei aplicável, pelo
que devem justificar a solução, para que não se torne arbitrária.
[...]
Nas interpretações sobre a aplicabilidade do princípio, levando em conta que
essa técnica é diferente dos standards, tanto na idéia de informação como na
de formulação, pretende-se, também, decisão que seja socialmente
aceitável. (ANDRADE, apud BARACHO, 1997, p. 30, grifo nosso)
Ainda nessa esteira, contestanto o decisionismo e sobrelevando o princípio da
subsidiariedade, Souza Cruz, de forma ímpar, assim preconiza:
A cosmovisão de uma sociedade homogênea em aspirações culturais,
religiosas, políticas e econômicas desfez-se diante do Woodstock, da
revolução do movimento hippie, do ativismo de Martin Luther King e da
desobediência civil nos movimentos de autodeterminação dos povos,
especialmente com Mahatma Gandhi, na Índia, e Nelson Mandela, na África
do Sul.
A separação nítida entre as tarefas estatais, definidas no Estado Liberal pelo
absenteísmo estatal e redefinida no Estado Social pela sua tutela
intervencionista na sociedade, desapareceu a olhos vistos. Agora, o
paradigma constitucional contemporâneo espera que Sociedade e Estado
atuem em razão do princípio da subsidiariedade, de forma a
reconhecer/impor à autoridade estatal funções supletivas diante da
insuficiência das instituições/associações privadas.
(...)Nesse contexto, a ponderação de valores, fosse pela “Jurisprudência de
Valores” das Cortes Constitucionais européias, fosse pela teoria alexyana da
argumentação, surgiu como solução última e definitiva para o dilema
positivista: a subjetividade passou a admitir um controle racional
sustentado na discursividade em contraditório. A fundamentação das
decisões, por meio de argumentos aferíveis a posteriori, legitimava a
Jurisdição e, em especial, a Jurisdição Constitucional.
A ponderação sustentava-se na perspectiva da racionalidade do “princípio
da proporcionalidade” (ponderação relativa) e na sacralidade substantiva do
5816
princípio vetor da dignidade da pessoa humana (ponderação absoluta).
(SOUZA CRUZ, 2004, p.194-195, grifo nosso)
Baracho profetiza um novo tempo onde o processo judicial represente um
instrumento de mudanças sociais a partir de decisões hermenêuticas construidas sob
uma perspectiva democrática e inteiramente discursiva, comunicativa:
A função do processo judicial não pode ser apenas aplicativa e
conservadora, mas deve ser instrumento de mudança. Nesse sentido é
que percebe a importância do sistema de construção do direito pelas
decisões judiciais. Como intérpretes do sentimento do direito e da ordem
da sociedade, devem suprir as omissões, corrigir as incertezas e
harmonizar os resultados com a justiça, de acordo com o método de livre
decisão.
(...) A relação entre o cidadão e o sistema de justiça, dentro dessa
modalidade discursiva, é de grande significado, em seus aspectos
processuais. (Apud GROTH) (BARACHO, 1984, p. 118-120, grifo nosso)
Nessa mesma linha Baracho Júnior faz alusão a Dworkin, para explorar a
heróica e controvertida figura do Juiz Hércules, que é exatamente a pessoa capaz de
“promover a reconciliação entre justiça e história, alvo de diversas críticas, inclusive
pela impossibilidade de existência real de juízes detentores dos atributos necessários
para a realização de tal tarefa”. (BARACHO JÚNIOR, 2000, p.148). Lembra que
Habermas defende Dworkin recorrendo aos argumentos da ‘teoria discursiva”.
2 A TEORIA DISCURSIVA, O AGIR COMUNICATIVO E A CIDADANIA
Souza Cruz (2006, p. 17), em reflexão digna de nota ante sua estreiteza com o
assunto em pauta, ensina que: “A Teoria do Discurso é uma das grandes possibilidades
de resgate do papel da Filosofia na alta modernidade, como ‘guardiã de lugar da
racionalidade científica e intérprete mediador do mundo da vida.”
A doutrina de Alexy, de maneira segura, reporta-se à teoria discursiva como
forma de garantir às partes uma investigação dialogada, crítica e argumentativa acerca
do objeto da lide, visando o alcance de resultados mais humanos (ALEXY, 1989, p. 34)
É Habermas porém, quem adverte que a aplicabilidade do referido discurso
alcança também uma visão cívica constitucional:
5817
Na visão cívica constitucional, a sociedade política é primariamente a
sociedade não dos portadores de direitos, mas dos cidadãos, uma associação
cujo princípio primeiro é a criação e provisão de um âmbito público dentro
do qual uma população, em conjunto, discuta e raciocine sobre os termos do
direito à coexistência social, termos que serão definidos em conjunto e
entendidos como bem comum... A partir disso o estado é justificado por seu
propósito de estabelecer e ordenar a esfera pública dentro da qual as pessoas
podem alcançar a liberdade no sentido de autogoverno pelo exercício da
razão no diálogo público.1 (MICHELMAN, apud HABERMAS, 2002, p.
272).
No que concerne à “teoria do agir comunicativo”, fundada no pragmatismo da
linguagem, Souza Cruz, de forma singular, concebe a filosofia como um processo de
cooperação dialética, coletiva e interdisciplinar. “Utiliza-se de uma hermenêutica
macroscópica capaz de examinar no âmbito social os meios de integração social
produzida pela comunicação lingüística”(SOUZA CRUZ, 2006, p. 75)
No tocante à imprescindível fundamentação das decisões judiciais para maior
garantia da efetivação da Justiça na prestação jurisdicional, torna-se a cada dia mais
imperioso também que a ciência jurídica, por meio de seus agentes, dialogue com outras
áreas do conhecimento, como a Psicologia(MIRANDA, 2002) e outras.
Poderá ainda, por meio da interpretação argumentativa e adequada, reconstruir,
em cada situação, os superiores paradigmas da Democracia e do Direito, consoante
ensina Cattoni (2000, P.137).
3 A MOROSIDADE PROCESSUAL COMO VIOLAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Quanto ao incontestável fenômeno da morosidade, vale ressaltar, constitui
seguramente um paradoxo frente à filosofia do Estado Democrático em face de seus
novos paradigmas. A Revista Jurídica CONSULEX, por exemplo, em diversas edições,
1“In civic constitutional vision, political society is primarly the society not of right-bearers but of citizens,
an association whose first principle is the creation and provision of a public realm within which a
peaple, together, argue and reason about the right terms of social coexistence, terms that they will set
together and which they understand as their common good...Hence the state is justified by its purpose of
establishing and ordering the public sphere within which persons can achieve freedom in the sense of
self-government by the exercise or reason in public dialogue.”
5818
tem provocado reiteradamente o assunto, senão vejamos: “De quem é a
responsabilidade? O Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a
Justiça deve ser a mesma para ricos e pobres, ...” ‘Pela morosidade da Justiça, não se
recomendaria a uma pessoa com idade superior a sessenta anos demandar em juízo,
pois, em face da média de vida dos brasileiros, dificilmente ela obteria, não diríamos
êxito, mas uma decisão final, isto é, uma decisão contra a qual não se pudesse opor
qualquer recurso, em tempo hábil(ou seja, enquanto ela ainda vivesse). (NÓBREGA,
2003, p.16, ano VII, nº 152); “Entraves do Judiciário. Soluções que não dependem de
reforma da reforma da Constituição. Dinâmica do Processo. A busca de uma maior
celeridade” (Ano VII – 153, Capa e fls. 21). “ A Quem interessa a morosidade da
Justiça” (OLIVEIRA, 2003, p.44-53, Ano VII, 167).
Na edição nº 167, p. 22 e 23, o Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes, por
meio de tabelas bem detalhadas, publicou uma pesquisa referente à quantidade de
processos enviados àquele Tribunal entre 1950 e 2003 e à Corte Constitucional Alemã,
respectivamente, encontrando-se na página 23, a seguinte ressalva:
A simples comparação entre os números obtidos pelo STF, em 1988(21.328
processos) e 2000(105.307 processos), mostra, de forma eloqüente, a
distorção experimentada. Observa-se que o número de processos julgados ou
recebidos pela Corte Constitucional Alemã, entre 1951 e 2002(141.712)
processos, é equivalente ao número que o Supremo recebe em um ano.
Assinale-se que, em períodos de maior crise, a Corte Constitucional alemã,
por exemplo, jamais recebeu um número superior a 5.911 processos em
um mesmo ano. (grifo nosso)
No mesmo periódico (p. 30 e 31), em pronunciamento do Ministro Nilson
Naves do Superior Tribunal de Justiça, vê-se ainda, respectivamente, os seguintes
títulos: “Efetividade do Poder Judiciário. O estigma da ineficiência da prestação
jurisdicional em virtude da lentidão com que são conduzidos os processos, nega força
ao Judiciário e tenta por o Direito e a Justiça na categoria de ornamentos”, “Pesquisa
da OAB mostra descrença no Judiciário”.
Naquele mesmo exemplar o assunto foi provocado ainda mais agudamente
com a pergunta de Amaral (2003, 2003, ano VII, p.32) ao indagar: “Como agilizar a
Justiça?” Curiosamente, tal manchete foi ilustrada com a figura de “uma tartaruga
conduzindo sobre si diversos processos jurídicos”. Naquela oportunidade, duras críticas
e profundas reflexões foram construídas a respeito, apontando-se algumas causas desse
5819
fenômeno, tais como, a “indolência operacional” e a “preguiça moral”, invocando-se
ali Nietzche e Cappelletti.
Igual atenção merece o título constante da Revista Jurídica Consulex, nº 167,
ano VII, p.40: “Estado mostra que Justiça Brasileira é a quarta pior das Américas”:
O sistema judiciário no Brasil é caro, lento e fraco. Essas são algumas das
conclusões que podem ser tiradas do relatório sobre o Estado e a Justiça nas
Américas – 2002/2003, publicado no Centro de Estudos da Justiça das
Américas (CEJA) com sede no Chile (BATISTA, 2003, p. 40-41, grifo
nosso)
Matéria publicada no site www.espaçovital.com.br em 24.09.07, noticia:
“Processo trabalhista está próximo ao fim após 40 anos de tramitação”(ROMS nº
10010/2003-000-02-00-3, do TJRS).
A excessiva quantidade de processos nos Tribunais, especialmente em nível de
Segunda Instância, deve-se, em sua maioria, a um sem número de decisões que além de
tardias, são também proferidas em desacordo com o justo, sem o crivo hermenêutico.
Ressalte-se, outrossim, que, com o objetivo de viabilizar o acesso à justiça,
(CAPPELLETTI, apud VITÓRIO, 2004, p.17), propõe-se pelo menos três movimentos:
a primeira onda é a remoção do obstáculo econômico que diz respeito aos necessitados
(assistência judiciária); a segunda onda, refere-se ao obstáculo organizacional a ser
rompido pelas diversas tutelas coletivas e a terceira onda está relacionada a criação dos
Métodos Alternativos de Solução de Conflitos(VITÓRIO, 1999, p.212/240).
Hoje já se apregoa a quinta onda dos direitos fundamentais. Antes, porém,
uma nova onda se faz necessária, sem a qual as demais não gerarão o menor efeito.
Esta, terá como maior escopo, o desafio do Estado formar julgadores não somente
investidos de uma mera capacidade de decidir de forma fria, mecânica e exegética,
como se fossem simples operadores, mas sobretudo, dotá-los do poder de reconstrução
da Justiça em cada caso concreto(LAFER, 2003, p.275), até mesmo por que, “cada
processo abre um novo caminho e cada cliente suscita um novo enigma.”
(CALAMANDREI, p. 107, grifo nosso)
Nesse sentido, Souza Cruz oferece-nos a seguinte reflexão:
Pela história, Alá ditava o Corão para Maomé, que, por sua vez, ditava para
Abdula, o escrivão. Em um determinado momento, Maomé deixou uma frase
interrompida. Instintivamente, o escrivão Abdula sugeriu-lhe a conclusão.
5820
Distraído, Maomé aceitou como palavra divina o que dissera Abdula. Este
fato escandalizou o escrivão, que abandonou o profeta e perdeu a fé. Abdula
não era digno de falar em nome de Alá. Não há exagero em fazer uma
analogia desta história com o que ocorre no cotidiano das práticas jurídicas.
Assim como o personagem Abdula não tinha consciência de seu poder ( e de
seu papel), os operadores jurídicos também não sabem de sua força. Em sua
imensa maioria, prisioneiros das armadilhas e dos grilhões engendrados pelo
campo jurídico, sofrem dessa “síndrome de abdula”. Consideram que sua
missão e seu labor é o de – apenas – reproduzir os sentidos previamente
dados / adjudicados / atribuídos por aqueles que têm o skeptron, é dizer,
a fala autorizada. Não se consideram dignos-de-dizer-o-verbo. Perderam a
fé em si mesmos. Resignados, esperam que o processo hermenêutico lhes
aponte o caminho-da-verdade, ou seja, “a correta interpretação da lei”!
Enfim, esperam a fala-falada, a revelação-da-verdade. (SOUZA CRUZ,
2006, p. 4-5, grifo nosso)
3 DECISIONISMO: fenômeno deformador da dignidade humana
Os tribunais são as capitais do império do
direito, e os juízes são seus príncipes, mas não
seus videntes e profetas. (Ronald Dworkin)
Como é sabido, a rubrica “decisionismo” traduz inegavelmente o pensamento
jurídico de Carl Shmitt, para quem a decisão é produzida a partir do nada, isto é, ela é
tomada ex nihilo, sem se ter em conta a situação concreta, a situação sócio-histórica
existente, inadmitindo fundamento metafísico, teológico ou de moral
humanitária.(MACEDO JR., 2001, p. 51).
Tanto o decisionismo quanto a morosidade processual, resultam quase que
frequentemente da “deformação profissional que termina por embotar a
sensibilidade do juiz e com ela sua capacidade de apreciar intuitivamente os
valores humanos” (CARNELLUTTI, 2000, p. 61, grifo nosso). Tal realidade,
entretanto, que fere de morte a democracia e os direitos fundamentais, poderá, conforme
prefalado, ser significativamente atenuada por meio do discurso, do melhor argumento e
de uma plena aplicação da linguagem (HABERMAS, 2003).
Ao processo porém, instituído como instrumento de pacificação de conflitos
tanto na esfera pública quanto na privada (FAZZALARI, 1993, p. 3), se levantam outras
tantas amarras que também impedem o acesso à justiça e sacrificam gravemente os
direitos fundamentais. Tais desvios, como se sabe, passam muitas vezes pela ausência
5821
de virtudes tanto políticas quanto morais (MONTESQUIEU, 1995, p.779), externadas
com notória grandeza na contribuição de Sampaio , verbis:
Alguns doutrinadores duvidam até mesmo da tão propalada posição e
capacitação privilegiadas dos juízes, que sustenta o Hércules dworkiano.
Bem ao contrário, falam de um despreparo judicial, por exemplo, para
enfrentar questões de natureza técnica, cuja complexidade escapa de
profissionais do Direito, exigindo, portanto, a presença de especialistas e de
informações que apenas o legislador ou a burocracia poderiam dispor mais
adequadamente nos seus processos decisórios. Não bastasse isso, suspeitam
das “virtudes judiciais”, decorrentes de sua formação e independência: “não
há razões convincentes para acreditar que os juízes são melhores em
deliberação moral e política do que são os membros de outros ramos de
governo”, escreve Cass Sustein. Para o Justice Brennan, na linha do
pensamento de Blackstone, “juízes não são guardiões platônicos nomeados
para exercer a sua competência de acordo com as predileções morais
próprias”, nem “são oráculos, indiferentes às paixões de seu tempo”. Por
essa razão é que não se pode esperar nada de previsível na construção
jurisprudencial, senão “retóricas”, sentimento de, raiva ou preconceito”.
Quanto à possibilidade de uma afirmação judicial de valores fundamentais da
comunidade, lembremos, não passaria da imposição ou tradução dos valores
de uma determinada classe social, especialmente, da classe média branca, ao
restante da sociedade. (SAMPAIO, 2002, p. 89-90, grifo nosso)
Como a violação dos direitos fundamentais decorrente das questões em debate
pode implicar em prejuizos irreparáveis aos cidadãos, a depender de cada circunstância,
a pode gerar até mesmo o direito à indenização por danos tanto materiais quanto morais
(VITÓRIO, 2001).
Constrangem, no Poder Judiciário, inúmeros julgamentos absurdamente
arbitrários, decisionistas, que geram, além de prejuízos irreparáveis aos cidadãos,
também um inegável desalento àqueles que sonham com a materialização do Estado
democrático de direito no qual os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana ocupam um assento especial. Casos como os abaixo citados, insistem em se
multiplicar:
Um juiz deixou de conceder a tutela antecipada(fornecimento de medicamento
pelo SUS) pretendida por um portador do vírus HIV, por entender que “não há risco de
dano irreparável” com a morte de alguém, ou seja, “morrer não é nada ...”:
Embora os autores aleguem ser portadores de AIDS e objetivem medicação
nova que minore as seqüelas da moléstia, o pedido deve ser indeferido pois
não há fundamento legal que ampare a pretensão de realizar às expensas do
Estado o exame de genotipagem e a aquisição de medicamentos que, segundo
os autores, não estão sendo fornecidos pelo SUS. A lei 9.313/96 assegura aos
portadores de HIV e doentes de AIDS toda medicação necessária a seu
5822
tratamento, mas estabelece que os gestores do SUS deverão adquirir apenas
os medicamentos que o Ministério da Saúde indicar para cada estágio
evolutivo da infecção ou da doença. Não há possibilidade de fornecimento de
medicamentos que não tenham sido indicados pela autoridade federal. Por
outro lado, não há fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação. Todos somos mortais. Mais dia, menos dia, não sabemos
quando, estaremos partindo, alguns, por seu mérito, para ver a face de
Deus. Isto não pode ser tido por dano. Sendo assim, indefiro o pedido de
antecipação da tutela. Cite-se a Fazenda do Estado. Defiro gratuiade
judiciária em favor dos autores. Intimem-se. (Antônio Carlos Ferraz Miller.
Juiz de Direito. 26 de julho de 2001. autos 968/01, 7ª Vara da Fazenda de
São Paulo). (grifo nosso)
Magistrado admitiu bóias-frias transportados junto a animais, por que no
passado Noé, “o emissário de Deus”, dividiu embarcação com bichos, sem rebaixar sua
“dignidade de pessoa humana”:
O juiz Milton Thibau, da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT)
de Minas Gerais, considera normal que um trabalhador seja transportado
junto a animais, como porcos e os bois, em meio a fezes e estrume. Na
sentença, o meritíssimo entendeu que, nestas palavras, “ se o veículo é seguro
para o transporte de gado, também o é para o transporte do ser humano”.
Na tentativa de justificar sua decisão, e aparentemente poupar o empregador
do pagamento da indenização, sobrou até para Noé e sua arca. “Não consta
que Noé tenha rebaixado a sua dignidade como pessoa humana e como
emissário de Deus para salvar as espécies animais”, escreveu o magistrado.
(...)O juiz rejeitou a tese do Ministério Público do Trabalho de que houve
ofensa à dignidade do ser humano. Na defesa, a Procuradora Yamara Viana
de Figueredo Azze fez questão de lembrar que os trabalhadores devem ser
transportados em caminhões adaptados com assentos e limpos, e com
proteção para que eles não caiam.
(...)Apesar de ter sido absolvido no processo, sabe-se que, mais tarde, o
proprietário da fazenda reconheceu os direitos dos bóias-frias e acertou com
eles o pagamento da indenização informalmente.(Estado de Minas,
03.06.2003, p.15)
Juiz negou indenização por danos materiais e morais a um trabalhador que
sofreu lesão em acidente de trabalho, argumentando que ele já era portador de outras
deficiências, sendo manco de uma perna, em razão de ter sido vítima de poliomelite e
por isso as seqüelas deixadas nos dedos e em sua mão direita não lhe causavam
“qualquer constrangimento”:
(...)O laudo pericial, produzido por determinação do Juízo, revela que existe
nexo causal entre a seqüela de lesões presente no reclamante e o acidente
laboral por este sofrido, noticiado na petição inicial, estando, na sua
conclusão a síntese do entendimento pericial, verbis:
O reclamante é portador de seqüela de acidente de trabalho típico, com
consolidação viciosa no 3º(médio) dedo da mão direita com rigidez articular,
5823
que após tratamentos especializados(cirúrgicos e conservador) não recuperou
plenamente a sua saúde (como um todo), permanecendo seqüela definitiva.
Tal seqüela acarreta redução parcial e permanente da capacidade laborativa
que exige maior esforço para o desempenho das atividades exercidas à época
do acidente e de outras, principalmente aquelas em que é exigido esforço
físico dos membros superiores e uso das duas mãos.
(...)Sendo portador de outras deficiências, como a física, oriunda de
poliomielite (em razão do que “manca”), e visual, segundo seu depoimento,
não sofre qualquer constrangimento pela pequena limitação na mão direita,
ainda mais que com ela normalmente trabalha, resultando dessa conclusão
que também não tem direito à acalentada indenização por danos morais.
(Segunda Vara do Trabalho de Governador Valadares/MG. Processo: 00762-
2004-099-03-00-4. Tribunal Regional do Trabalho. 3.ª Região. Juiz Hudson
Teixeira Pinto. 25.01.2005).
Por unanimidade, houve reforma desta decisão:
Diversamente da sentença, entendo que o fato de o Reclamante já ser
portador de uma deficiência física, em razão de poliomielite, que o leva a
mancar, não implica, por si só, que a lesão no dedo seja desimportante. Não
há duvida de que do acidente no trabalho resultou uma marca no corpo do
Reclamante, que o acompanhará pelo resto da via, a qual resulta
exclusivamente das condições de trabalho que não tiveram, de parte da
empresa, o necessário cuidado com a adoção de medidas de proteção. Ela
implicou diminuição de sua capacidade para o trabalho, limitando o campo
de suas opções, na medida em que significou a perda do que se poderia
chamar de uma sintonia fina no movimento de sua mão.
O nexo do acidente com a conduta culposa da empresa se configura e o dano
patrimonial está assentado na já referida limitação que é contingência, a qual
também implica perturbação da dignidade do autor na sua inserção social.
Considerando, portanto, a extensão do dano, o seu comprometimento no
plano da projeção patrimonial e do alcance moral(em conjunto), a
necessidade de um alerta pedagógico à empresa, para maior cautela na
condução de suas atividades, leva que se dê provimento ao recurso para
condenar a reclamada ao pagamento de indenização ao autor, fixada em
R$16.000,00, valor equivalente a aproximadas cinqüenta vezes o último
salário do autor. .(TRT/3ª Região. RO nº 00762-2004-099-03-00-4. Relatora
Juíza Mônica Sette Lopes. DOU 13/08/2005)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao concluir este trabalho foi possível constatar válidas assertivas que podem
servir de orientação aos questionamentos ora suscitados.
5824
Percebeu-se que realmente há um crescente aumento da morosidade processual
e do decisionismo nos Tribunais pátrios, provocados, principalmente, pela quase total
ausência da dialética nos procedimentos adotados. Tais posturas, muitas vezes são
motivadas pelo excesso de formalismo, pela insensibilidade e pelo manto da corrupção,
atualmente noticiado pela imprensa nacional relativo ao Poder Judiciário, até mesmo
com vendas de sentenças.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ
http://www.cnj.gov.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_numero_2005.pdf),
disponibilizou os “Indicadores Estatísticos do Poder Judiciário do ano de 2005”.
Noticiou a existência de 41,94 milhões de processos judiciais à espera de
julgamento em 31 de dezembro de 2005, entre processos cíveis, criminais, trabalhistas,
nas esferas estadual e federal.
Naquele ano os tribunais brasileiros receberam 21,54 milhões de processos,
tendo julgado 18,27 milhões. Assim, o ano findou com um acréscimo de 3,27 milhões
de processos na lista de processos pendentes.
O volume de julgamentos em 2005 indicou que mesmo que a Justiça não
tivesse recebido novos processos em 2006 e 2007, seriam necessários pelo menos dois
anos e três meses apenas para serem julgados todos os pendentes. Como o volume de
processos julgados foi inferior ao de feitos ajuizados, o que vem ocorrendo há alguns
anos, a cada dia aumenta a percepção do cidadão brasileiro no sentido de que a Justiça é
lenta.
Na primeira e segunda instâncias da Justiça Estadual foram 14.547.302 novos
processos em 2005, enquanto na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho foram
distribuídos 3.194.887 e 3.365.671, respectivamente. Os tribunais superiores receberam
338.954 e o Supremo Tribunal Federal recebeu 95.212.
Vale observar que 25% de toda a movimentação processual já se encontra no
âmbito dos Juizados Especiais, certamente uma das formas encontradas pela população
para contornar a morosidade das instâncias ordinárias da Justiça.
Interessante levantamento estatísticos foi promovido também pelo Supremo
Tribunal Federal – STF. Abrange o período de 1940 a junho de 2007, no qual constatase
a diferença radical entre a quantidade de processos que ali chegaram a “título recursal
5825
e em nível de competência originária” e a quantidade de “julgamentos” proferidos, os
quais normalmente ficam abaixo de 50%.(www.stf.gov.br)
Dados da Corte Maior desse país revelam que enquanto na década de 40
chegaram até o STF a título de “distribuição” e em “caráter recursal” soma equivalente
a menos de 6.000 processos; em 1960 esse número dobrou; em 1980 aumentou para
18.000; em 1990 saltou assustadoramente para 38.000 e em 2002, alcançou a casa dos
240.000! Nesse ano, somente até o mês de junho, o STF já havia recebido para
distribuição e para fins de recurso 210.000 processos, com indicativos, portanto, de que
nesse ano os números serão ainda maiores.
No reverso da moeda, tem-se nesse mesmo percurso, que na década de 1940 os
julgamentos efetuados foram de aproximadamente 2.700; em 1960, corresponderam a
5.800; em 1980, somaram 9.000 e em 2002, resultaram em 80.000. Em 2007, até o mês
e junho, eram cerca de 92.000 processos julgados.
Incomparavelmente menor, portanto, a quantidade de processos julgados pelo
STF relativamente àqueles que ali chegaram; demonstração fática da morosidade
processual que alarga os vales de pobreza do país, aumentando a cada dia as
desigualdades sociais.
A democratização processual é sem dúvida um imperativo. A Emenda
Constitucional n.45, de 08.12.2004, tem prometido suavizar esse cenário por meio da
Reforma Processual. Tal possibilidade, entretanto, passa pelas Teoria Discursiva do
Direito e do Agir Comunicativo, segundo as quais, as decisões precisam afastar-se do
mero formalismo, de seu ritual conteudista, para encontrar a simetria da igualdade e da
participação de seus atores, estabelecendo-se, para tanto, um discurso democrático,
digno e organizado.
Indeléveis e irreparáveis são os danos causados aos cidadãos quando o
Judiciário prorroga excessivamente a prestação jurisdicional ou mesmo quando atua de
forma abusiva e arbitrária. A descrença e o desencanto no Estado passam a ditar suas
posturas, somando-se aos sérios prejuízos nas esferas econômica, social e afetiva.
É tempo de Democracia. Mudança de rumos é a palavra de ordem.
O Poder Judiciário precisa comprometer-se realmente com o ser humano e com
sua dignidade num combate ferrenho e agudo a essas chagas que tantas mazelas
impõem ao contexto político, jurídico e sócio-cultural.
5826
Felizmente resta-nos a esperança numa ética discursiva, que “justifica o teor
de uma moral do respeito indistinto e da responsabilidade solidária por cada ser
humano.” (HABERMAS, 2002, p.53).
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VITÓRIO, Teodolina Batista da Silva Cândido. Revista de Direito da FADIVALE.
Dano Moral: Conceito e evolução. Ano I, 2002. p. 190/220.
5829


fonte: conpedi.org

José Adércio Leite Sampaio*
Teodolina Batista da Silva Cândido Vitório**
Suéllen Cristina Cruz***

* Procurador Regional da República do Ministério Público Federal. Professor Adjunto III da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Doutor em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
** Doutoranda em Direito Público na PUC/MG. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho/RJ.
Advogada. Professora da Graduação, da Pós-Graduação e Assessora da Coordenação do Curso de Direito
da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce-FADIVALE
*** Aluna do 5.º Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce-FADIVALE.

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